domingo, 6 de janeiro de 2008

Morreu o Luiz Pacheco

Vesti-o de Pai Natal, algures em meados dos anos 90, para uma longa entrevista para o Blitz, que a Rita Carmo fotografou. Foi um começo de uma amizade. Eu visitava-o, ele falava-me dos livros, da escrita, oferecia-me livros, e eu dizia-lhe que sonhava vir a escrever. Ele desconcertava-me, provocava-me, mas sempre senti uma imensa ternura nessa forma abjecta e por vezes a roçar o obsceno com que ornamentava as palavras que dizia. Incentivava-me a escrever, nos livros comentados e riscados pelas suas mãos que me oferecia e, à distância, nas cartas que me enviava para o jornal com recortes de concursos literários anunciados na imprensa e postais sugestivos que tinham sempre uma piada qualquer. Perdi-lhe o rasto. Coisas do tempo. Ou da falta dele. Ou dessa desculpa imperfeita e ofensiva da falta de tempo. E visitei-o há cerca de um ano, quando estava no Lar de Idosos do Princípe Real. Tinha envelhecido. Mas mal me viu reconheceu-me imediatamente. Começou logo a querer oferecer-me coisas - foi algo que nunca percebi. E apesar da fraqueza, era o mesmo Pacheco, o mesmo espírito mordaz, muito irónico para o mundo em redor, provocador e apaixonado irremediável pelas telenovelas. Mas quem lidou com ele, um pouco mais próximo, percebe que aquela linguagem, a forma de se dirigir a nós, quando gostava de nós, mesmo que disfarçada de provocação, era um exercício muito saudável de estar vivo e celebrar essa vida numa liberdade que apenas a confiança e a amizada sinceras permitiam, porque nunca se ofende. Vou ter muitas saudades dele. Nunca mais se reconciciliou com o Cesariny. Cheguei a sonhar juntá-los um dia. Mas o país está muito mais pobre agora que perdemos os dois. Guardo muito boas, doces e picantes, memórias de ti, Luiz Pacheco. Fazes falta neste mundo em que vivemos.

2 comentários:

Rita Carmo disse...

Querida Cláudia,
quando li a notícia esta manhã, pensei em ti. Apresentaste-mo para o fotografar, vestido de Pai Natal. Era irónico ver aquele homem vestido assim... Como tu, senti essa ternura por ele, recebi ainda dois livros com piadas mordazes por estar grávida quando o fotografei. E senti-me sempre tão próxima dele que é dificil explicar.
Hoje, quando li a notícia, procurei as centenas de fotografias que lhe fiz, e só por falta de forma de os digitalizar já, hoje, não os coloquei algures para que possa ser visto. De qualquer forma, para onde quer que ele tenha ido, deve estar a "deliciar" a vida de quem está perto dele...
Grande beijinho para ti. Eu sei o que deves estar a sentir com esta perda...
Rita

o tempo das cerejas disse...

Fui ao teu blogue ver se tinhas colocado fotos dele, essas do Pai Natal. Também pensei em ti. Essa memória partilhamos só as duas na sua dimensão completa. :)