terça-feira, 14 de agosto de 2007

«O Tempo das Cerejas» - excerto

Legenda: Centa (Centro de Estudos de Novas Tendências Artísticas) da Graça Passos, em Vila Velha de Ródão

«Quem são os outros que fazem de nós a pessoa que somos?
Um familiar? Um rosto anónimo perdido na multidão? Uma história que escutámos? Alguém sonhado? Um nome estrangeiro? Um músico? Um político? Um encenador? Um actor? Uma canção? Um poema? Um nome inventado num romance? Um nome inventado para o nosso romance? Quem são os outros que constroem o quem somos nós? Qual é o teu mundo? Quem é a tua família? Qual é a família que rejeitas? A que famílias pertences? Como te posicionas? Para saber onde estás tu? E para onde olhas, em que direcção, para identificar quem são os outros? Onde estão os outros?
Ela questionava-se. No momento da crise, crise íntima.
Pensava na escuridão, enquanto via o espectáculo. Procurava um sentido.
Os outros são apenas outros a partir da tua perspectiva e porque os olhas a partir do «eu». Se te mudarem de posição, e te retirarem o eu da formulação gramatical, se passares a ser tu olhada a partir de um «eu» que é alguém distinto de ti, passarás tu a ser «o outro».
O outro está sempre na posição oposta ao teu olhar.
Porque carregamos, tão naturalmente, com estranheza, o desconhecido? O outro é também o objecto do amor. É aventura e descoberta. Surpresa e desafio. É troca, partilha, diálogo. Se dermos hipótese, o estranho pode revelar-se belo e rapidamente familiar. Às vezes. Ao ponto de passar a fazer parte do «eu» que existia isolado e em solidão.
As memórias que vamos guardando definem a pessoa que somos em relação aos outros, aqueles que convidamos para fazer parte do nosso mundo.
A família que construímos por escolha.»

1 comentário:

Inês pessoa disse...

Hoje adormeci a ler "O Tempo das Cerejas", e acordei a ler "O Tempo das Cerejas"... Começo a juntar as peças. Os "Eles" aos "Outros"... É engraçado, tantas histórias dentro de uma só, e tantas personagens tão diferentes, mas tão iguais...